Os ponteiros do relógio de pé alto ao fundo da sala batiam as 19h00. O silêncio acentuava o ambiente vazio, apenas quebrado pelos resquícios de luz do dia que trespassavam a cortina de seda, macilenta do tempo.
As cadeiras estavam cuidadosamente alinhadas, duas a duas, em torno da mesa de madeira escura, decorada com um paninho creme, debruado com um picô de croché amarelo-torrado, semelhante a tantos outros que ia fazendo para as netas.
Mesmo atrás, o louceiro baixo de portas de vidro exibia chávenas e pires de vidro e de louça, copos, pratinhos de flores, recordações de França, trazidas pelos primos, e uma pequena boneca de porcelana cor-de-rosa, outras vezes azul, conforme fizesse chuva ou sol. Era sempre por ela que previam o tempo.
A porta de Madeira do louceiro mantinha-se entreaberta, tal como sempre a vi. Deixava ver as folhas de papel de prata e de seda coloridas que, por altura dos Santos, embrulhavam os bombons de figo e os figos cheios, feitos de amêndoa, chocolate e canela. E também a balança antiga, o bloco de notas onde apontava quantidades de uma forma que só ela entendia, já que não sabia ler nem escrever, e outras traquitanas que guardava religiosamente.
Ao canto, no bengaleiro de madeira, um guarda-chuva preto enferrujado evocava um Inverno longínquo. O espelho corroído projectava a imagem das paredes nuas e brancas de cal. De duas delas. À parede contígua encostava-se o sofá, de tecido rugoso, castanho e preto. E mesmo à sua frente, no chão de tijoleira, corria a passadeira de plástico que tantos acompanhou da porta de entrada à cozinha.
Era aí que tudo começava. Pousava o saco de empreita em cima da tosca cadeira de atabúa, colocava o avental e arregaçava as mangas. O relógio de pé alto ao fundo da sala ditava o ritmo da lida. Sempre apressado. As aranhas vinham amanhadas da praça, passavam de esguelha por água corrente e mergulhavam no velho tacho de esmalte, junto com as batatas e as cenouras. Para a mesa da sala ia a toalha de sempre, pratos, fundos para não entornar o caldo, garfos, copos, guardanapos de pano de quadrados azuis e brancos, a garrafa do azeite, o limão e a cesta do pão caseiro.
Comíamos e conversávamos. Daquelas conversas de avós e netos. E ríamos. E depois, ai depois.. Vinha para a mesa uma pequena tablete de chocolate de leite ou negro, simples, do mais barato que os tempos não eram dados a luxos. E vinha também um saquinho de amêndoas torradas.
O ritual repetia-se, dividia-o em quadradinhos que levávamos à boca com um miolo de amêndoa. Trincava-os juntos. E saboreava. E que bem que me sabia aquele momento ao fim do dia. Sentada àquela mesa de madeira escura. Pouco depois dos ponteiros do relógio de pé alto ao fundo da sala terem batido as 20h00.
As cadeiras estavam cuidadosamente alinhadas, duas a duas, em torno da mesa de madeira escura, decorada com um paninho creme, debruado com um picô de croché amarelo-torrado, semelhante a tantos outros que ia fazendo para as netas.
Mesmo atrás, o louceiro baixo de portas de vidro exibia chávenas e pires de vidro e de louça, copos, pratinhos de flores, recordações de França, trazidas pelos primos, e uma pequena boneca de porcelana cor-de-rosa, outras vezes azul, conforme fizesse chuva ou sol. Era sempre por ela que previam o tempo.
A porta de Madeira do louceiro mantinha-se entreaberta, tal como sempre a vi. Deixava ver as folhas de papel de prata e de seda coloridas que, por altura dos Santos, embrulhavam os bombons de figo e os figos cheios, feitos de amêndoa, chocolate e canela. E também a balança antiga, o bloco de notas onde apontava quantidades de uma forma que só ela entendia, já que não sabia ler nem escrever, e outras traquitanas que guardava religiosamente.
Ao canto, no bengaleiro de madeira, um guarda-chuva preto enferrujado evocava um Inverno longínquo. O espelho corroído projectava a imagem das paredes nuas e brancas de cal. De duas delas. À parede contígua encostava-se o sofá, de tecido rugoso, castanho e preto. E mesmo à sua frente, no chão de tijoleira, corria a passadeira de plástico que tantos acompanhou da porta de entrada à cozinha.
Era aí que tudo começava. Pousava o saco de empreita em cima da tosca cadeira de atabúa, colocava o avental e arregaçava as mangas. O relógio de pé alto ao fundo da sala ditava o ritmo da lida. Sempre apressado. As aranhas vinham amanhadas da praça, passavam de esguelha por água corrente e mergulhavam no velho tacho de esmalte, junto com as batatas e as cenouras. Para a mesa da sala ia a toalha de sempre, pratos, fundos para não entornar o caldo, garfos, copos, guardanapos de pano de quadrados azuis e brancos, a garrafa do azeite, o limão e a cesta do pão caseiro.
Comíamos e conversávamos. Daquelas conversas de avós e netos. E ríamos. E depois, ai depois.. Vinha para a mesa uma pequena tablete de chocolate de leite ou negro, simples, do mais barato que os tempos não eram dados a luxos. E vinha também um saquinho de amêndoas torradas.
O ritual repetia-se, dividia-o em quadradinhos que levávamos à boca com um miolo de amêndoa. Trincava-os juntos. E saboreava. E que bem que me sabia aquele momento ao fim do dia. Sentada àquela mesa de madeira escura. Pouco depois dos ponteiros do relógio de pé alto ao fundo da sala terem batido as 20h00.
Tablete de chocolate negro com frutos apimentados
Ingredientes (para uma tablete como a da foto): 150g de chocolate com 70% cacau, 2 colheres de sopa de amêndoas, 2 colheres de sopa de avelãs, 1 colher de chá de azeite, 1/4 colher de café de flor de sal, 1/4 colher de café de pimenta da Jamaica moída, 1 colher de sopa de arandos vermelhos, 1 colher de chá de flor de sal com pólen de abelhas
(T): Pré-aqueça o forno a 180º. Forre um tabuleiro com papel vegetal. Coloque as amêndoas e as avelãs no tabuleiro, junte o azeite, o sal e a pimenta e agite o tabuleiro de modo a que os frutos fiquem bem envolvidos na mistura. Leve ao forno por 10/15 minutos. Retire do forno e deixe arrefecer.
Unte ligeiramente uma folha de papel vegetal com óleo. Derreta o chocolate em banho-maria. Deite-o sobre a folha de papel vegetal formando uma tablete quadrada com uma espessura de aproximadamente 5mm. Espalhe os frutos secos e os arandos por cima. Salpique com a flor de sal com pólen de abelhas. Decore com chocolate derretido em fio ou deixe simples. Deixe solidificar.
(T): Pré-aqueça o forno a 180º. Forre um tabuleiro com papel vegetal. Coloque as amêndoas e as avelãs no tabuleiro, junte o azeite, o sal e a pimenta e agite o tabuleiro de modo a que os frutos fiquem bem envolvidos na mistura. Leve ao forno por 10/15 minutos. Retire do forno e deixe arrefecer.
Unte ligeiramente uma folha de papel vegetal com óleo. Derreta o chocolate em banho-maria. Deite-o sobre a folha de papel vegetal formando uma tablete quadrada com uma espessura de aproximadamente 5mm. Espalhe os frutos secos e os arandos por cima. Salpique com a flor de sal com pólen de abelhas. Decore com chocolate derretido em fio ou deixe simples. Deixe solidificar.
Esta estória é baseada nos finais de tarde passados em casa da minha avó em que havia chocolate com amendoas para sobremesa. Juntamente com a receita participo no desafio Chocolate e Picante: Um desafio de receitas com histórias dentro, lançado pela Suzana, do gourmets amadores, em colaboração com a editora Casa das Letras.
Agradeço à Casa do Sal da Figueira da Foz a oferta da flor de sal com pólen de abelhas bem como de outros produtos à base de sal produzido nas suas salinas.
Dica:
- Estas tabletes de chocolate e frutos são uma sugestão para presente de Natal. Pode variar a guarnição do chocolate com outros frutos secos e/ou cristalizados e especiarias a gosto.
Margarida, uma estória ternurenta e uma receita deliciosa. Estas tardes na companhia das avós hão de ficar para sempre. E serão sempre fontes de inspiração. Um beijinho.
ResponderEliminarAdorei a dica para os presentes de natal. Na Páscoa já tinha oferecido bombons caseiros de menta e chocolate estou tentada a experimentar estas tabeletes :)
ResponderEliminarQuerida da Margarida,
ResponderEliminarQue estória tão bonita! Adorei ler e adorei a receita de chocolate e frutos.
Beijinhos para os 4!
Sofia
São estas memórias que nos fazem ser quem somos, não é? :)
ResponderEliminarGostei da história. e do chocolate, claro! :))
Bjs
Que bela estória Margarida, adora fazer textos assim....maravilha o chocolate...bjokitas
ResponderEliminarMargarida querida,
ResponderEliminarEstou para aqui envolta na estória e no cheiro a chocolate e frutos secos... E fico com saudades. Saudades do que não vivi e podia ter vivido e lembranças das minhas próprias memórias e das pessoas de quem gosto muito. Obrigada pela viagem aos afectos. Gostei tanto!
Obrigada pela participação. ;)
Um beijo saudoso e bom fim de semana*
Olá!
ResponderEliminarAdorei esta estória! :)
Parabéns pela fluída capacidade de contar uma estória.
A receita também é apetecível.
Paula
Adorei toda a postagem.. parabens, por momentos fz-me rever a casa da minha avó..
ResponderEliminarbjus
Cila
Adorei a receita, o texto, tudo!
ResponderEliminarNada como as memórias e as avós. Lindo de ler e saborear.
ResponderEliminarUm beijinho.
Que bonita sua forma de escrever, parecia-me estar lendo uma passagem de um livro antigo!Parabéns pela estória e pela receita, ambos adoráveis!
ResponderEliminarPelo carinho que a estória encerra, já merecia ganhar :) Uma receita que tem pólen de abelha nos ingredientes só pode ser encantadora!
ResponderEliminarMargarida
ResponderEliminarTanto carinho e memórias!
Adorei a receita também tão original, mas com um toque regional sempre :)
Beijinhos para os 4 de nós 4.
Me encanta el chocholate y de ésta manera tuya tiene que estar buenísimo, qué mezcla de sabores. Saludos!
ResponderEliminarQue linda estória!!Acompanhada por essa tablete de chocolate ainda melhor!
ResponderEliminarGostei muito da tua história com memórias cheias de ternura e também da simplicidade e delicadeza do teu chocolate.
ResponderEliminarBeijinhos
Ficou tão linda a tablete, comia-a enquanto lia a história :)
ResponderEliminarBonita história e memórias :) Amei a receita! Tenho que fazer :) Obrigada pela partilha.
ResponderEliminarBeijinhos!*